sexta-feira, dezembro 03, 2004

Artigo de Opinião

“Trazer mais gente a Tomar”

É assim intitulado este mês de Novembro, o boletim humorístico da Câmara Municipal de Tomar, e que só esta semana tive oportunidade de ler. E se de outras vezes a hilariante condição que me deixa o folhetim, expressa na evidente vontade de rir não me leva a escrever, desta vez consegui por entre esses risos tecer alguns comentários a esta “Paivonistica” publicação digna dos mais virtuosos executantes da comédia.
Analisemos então os seus conteúdos e comecemos pelo título e aquilo que propõe: “Trazer mais gente a Tomar” ou “Tomar quer duplicar turistas até ao ano 2010” como se acrescenta na segunda página. Pois eu acho que se este é um objectivo, a autarquia tem bem trabalhado para tal, pois basta para o cumprir que todos os jovens e menos jovens que abandonam o concelho por troca de outros onde as condições de vida são mais fáceis, venham visitar a família de vez em quando, e pronto, aí temos uma exponencial subida de turistas em Tomar.
Mas diz o senhor António Paiva no seu editorial, que “temos de oferecer um conjunto de actividades culturais de nível internacional, como tem vindo a ser um caso neste Outono”
Terei lido bem? Actividades de nível internacional, Jorge Palma e Sérgio Godinho (que não veio mas há-de vir)? É preciso dizer que embora muito goste destes músicos, não me parece que qualquer destes eventos venha a contribuir para que se aumente o tal número de turistas. A autarquia parece ter acordado, isso sim, para o facto de precisar de agradar a algum eleitorado mais jovem, mas meus senhores, não estão a conseguir. Não repararam ainda que por exemplo os dois músicos já citados, já vieram a quase todos os concelhos à nossa volta? Até nestes pormenores vão mostrando qual é de facto linha de actuação desta câmara, um caminho elitista que não pretende de facto chegar aos cidadãos, mas sim brilhar nos cartazes e nos jornais. O facto de se organizar um espectáculo como este num sítio como o Cine-teatro Paraíso é imediatamente impeditivo, visto estar limitado à capacidade da sala, e depois, além dessa fraca capacidade para um tal evento, é preciso reparar que do total dos bilhetes só uma parte, é sempre assim, chega de facto à bilheteira, e depois é preciso pagar. Bem sei que não é um preço elevado, mas é sempre motivo de inibição. No caso destes dois músicos, ambos já vi variadíssimas vezes e sem nunca precisar de pagar, e como eu, acredito que uma grande parte dos jovens desta terra.
Mas sobre o mesmo boletim, devo efectuar algumas felicitações:
Felicito a autarquia por já falar em Internet, mas também aqui vai atrasada, visto que todos esses mesmos concelhos à nossa volta já terem a sua página oficial, e a de Tomar, essa cidade que diz querer atrair mais turistas... há-de vir, um dia.
Felicito também a Câmara por cada vez mais ir utilizando termos como “apostas estratégicas e desenvolvimento sustentável”, mas parece-me estranho que se fale em desenvolvimento sustentável (DS) quando a maioria PSD na Assembleia Municipal, chumbou a proposta de criação da comissão de instauração da Agenda XXI local, obviamente sem saber o que estava a fazer, mas isso é típico tal a vontade de reprovar tudo o que venha dos lados da oposição. Embora neste caso pareça estranho, visto o senhor António Paiva ser membro efectivo do Comité das Regiões, pelo que supostamente devia conhecer bem o tema. Talvez, digo eu, deva instruir melhor os seus deputados municipais.
Parece-me estranho que fale em DS quando se construiu onde e como, o novo Pavilhão Municipal, que para além de tudo o resto é um atentado arquitectónico que nada tem a ver com a estética e a traça tomarense.
Parece-me estranho que fale em DS quando pretende acabar com o mercado municipal transformando-o num Centro Comercial dissimulado que mais uma vez, além do resto, seria mais um atentado arquitectónico se fosse construído.
Parece-me estranho que fale em DS, quando construiu o parque atrás da Câmara, na área de influência do edifício desta e do Convento de Cristo, Património Mundial.
Parece-me estranho que fale em DS quando deseja construir uma ponte no flecheiro, que em conjunto com os desastres atrás referidos mostra uma política que consiste em trazer mais carros para o centro da cidade, com todos os problemas a isso inerentes, em vez de os desviar como o que acontece em todas as cidades, portuguesas ou não, que estão de facto a caminhar para o futuro.
Parece-me estranho que fale em DS quando nada faz para resolver, ou pelo menos pressionar quem de direito, a situação cada vez mais degradada da mata dos sete montes, património díspar do nosso concelho e que qualquer dia azarento desaparece em chamas ou algo assim.
Parece-me estranho que fale em DS quando nada faz para resolver o arrastado caso do açude de pedra, herança histórica do povo de tomar.
Parece-me estranho que fale em DS quando pretendia passar com camiões pesados pelos terrenos da fábrica da fiação pondo em risco património, para as obras em que pretende, contra tudo e todos como é seu hábito, substituir a relva natural por relva sintética no estádio municipal.
Parece-me estranho que fale em Desenvolvimento Sustentável quando parece que não sabe o que o conceito significa, mas também deve ser normal, porque o senhor que se diz mestre em PDM’s também ainda não foi, passados sete anos, capaz de fazer aquela que foi uma suas das principais promessas de campanha, e que era exactamente a revisão do mesmo.
É certo que em breve nenhum deste problemas terá importância, quando formos cada vez mais os subúrbios de Abrantes, Torres Novas, Entroncamento, Ourém, pouco importará desviar o trânsito, e também já não haverá problemas com as suas medidas avulsas e sem qualquer planeamento como a sementeira de rotundas em que está a transformar a nossa cidade, imbuída dessa muito sua, lógica de Desenvolvimento Sustentável que agora apregoa. Nada importará, porque nessa estratégia de cidade que está a desenvolver, não haverá trânsito, não haverá comércio, não haverá desenvolvimento, e pessoas, bem, pessoas serão poucas, e só as que conseguem pagar para cá viver.
Finalizo concordando com o título em índice “Futuro da região envolvente passa cada vez mais por Tomar”, realmente o futuro deles parece ser feito a expensas nossas! Mas está tudo correcto na sua lógica, está tudo bem por cá, ou como diz no seu editorial, “Tomar está no rumo certo”. Os concelhos à nossa volta também acham isso, e agradecem.

Hugo Cristóvão
artigo publicado hoje no jornal Cidade de Tomar, escrito no entanto há uma semana atrás